Pessoas que não são da família nuclear têm, assim, recebido indenizações por mortes em acidentes de trabalho, desde que fiquem comprovados tanto o afeto quanto o vínculo com a vítima.

30/10/2024 – Eles se conheciam desde a adolescência. Cresceram e viveram a vida toda na mesma cidade. Aos 15 anos, começaram a namorar e, 15 anos depois, no início de janeiro de 2019, noivos, foram juntos à Igreja Matriz de Brumadinho (MG) para marcar o casamento. Contudo, cinco meses antes da cerimônia, a Vale S.A. divulgou, na noite de 26 de janeiro, uma lista que indicava Djener Paulo Las Casas Melo, o noivo e operador de máquinas, entre as 272 pessoas soterradas pela lama na tragédia do Córrego do Feijão. Essa divulgação, portanto, trouxe um impacto devastador para os que aguardavam o casamento. O sonho foi interrompido.
Essa história vai além de mais uma perda de um ente querido na tragédia de Brumadinho. É única, marcada por dramas, sofrimentos e uma luta pessoal. A noiva, Ketre Menezes de Paula, agora microempresária, precisou reunir cartas de amor, fotografias e uma declaração da paróquia de Brumadinho para comprovar na Justiça seu direito à indenização pela morte do noivo, o chamado “dano moral em ricochete”.
Consideram-se novos arranjos familiares
A compreensão de casos de dano por ricochete com base em grau de afetividade envolve uma questão sensível: as mudanças sociais das últimas décadas trouxeram novos arranjos familiares. Essas mudanças exigem uma visão mais ampla sobre o que constitui o núcleo familiar, indo além de pai, mãe e filhos. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união homoafetiva como núcleo familiar e a equiparou às uniões estáveis entre homens e mulheres.
No caso do dano em ricochete, os julgadores devem, portanto, avaliar a legitimidade de quem pede reparação, considerando não apenas os vínculos biológicos e matrimoniais, mas também o princípio da afetividade, uma vez que isso pode influenciar a decisão final.
Em um processo, o companheiro de um trabalhador, também vítima do acidente em Brumadinho, pediu o reconhecimento do dano moral em ricochete. Ele anexou ao processo fotografias do casal, comprovantes de endereço, uma escritura pública declaratória e uma carta de concessão de benefício previdenciário para comprovar a união estável de mais de três anos.
A empresa, mais uma vez, negou o direito ao companheiro com base no grau de afetividade. Ela argumentou que os documentos careciam de fé pública e que o companheiro poderia facilmente tê-los falsificado com programas de computador.
No entanto, as provas demonstraram, de maneira contundente, a formação de laços estreitos de envolvimento emocional entre eles, permitindo, assim, concluir que a morte do trabalhador causou intenso sofrimento ao companheiro. Além disso, essa evidência reforçou a importância do reconhecimento dos sentimentos envolvidos na situação.
Explica o TST
O ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Agra Belmonte, explica que o caso trata de dano extrapatrimonial. “Estamos falando de sentimento, e o sentimento pode envolver qualquer pessoa de afinidade próxima”, observa. Segundo ele, isso normalmente envolve pessoas do convívio familiar, mas nada impede que o direito se estenda a outras pessoas com as quais exista uma forte afinidade. “Você pode ter uma pessoa próxima a você, que não faz parte do núcleo familiar, mas com quem tem um laço forte de afinidade. O critério é afinidade.”
R$ 1 bi de Indenizações de Brumadinho
A Vale informou que, na esfera trabalhista, destinou mais de R$ 1,166 bilhões em indenizações por danos morais e materiais às vítimas do rompimento da barragem em Brumadinho, beneficiando mais de 2,5 mil pessoas. Além disso, a empresa depositou, portanto, R$ 400 milhões como compensação por dano moral coletivo, cuja destinação, por sua vez, será definida por um Comitê Gestor, que é formado pela Justiça do Trabalho, pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), pela Defensoria Pública da União (DPU) e por representantes das famílias atingidas. Essa ação demonstra o compromisso da empresa em abordar as consequências da tragédia de maneira responsável.
A empresa não especificou quanto desse valor foi destinado a pessoas que ajuizaram ação de dano moral em ricochete, além daquelas em que o dano afetivo foi reconhecido.